Arquivo Pessoal

Tânia Rodrigues Furtado

Estudante de Medicina, Enfermeira do Samu. Professora de Pós-graduação. Mãe, esposa e dona de casa.

Projetos que dão certo: Samuzinho.

Crianças aprendem noções de primeiros socorros e cidadania.

Os serviços de atendimento pré-hospitalar móvel, conhecidos como SAMU 192, foram normatizados no Brasil a partir de 2003. Caracterizam-se por prestar socorro às pessoas em situações de agravos urgentes, nas cenas em que esses agravos ocorrem, garantindo atendimento precoce e adequado. Em algumas cidades do Brasil, existem projetos coordenados pelo SAMU, que são direcionados para o ensino de primeiros socorros para crianças, entre os quais se destaca o Projeto Samuzinho, realizado pelo Núcleo de Educação em Urgência do SAMU Teresina, no Piauí.

A equipe de instrutoras do SAMU Teresina inspirou-se em projetos similares realizados em outros serviços de atendimento pré-hospitalar, como o Samuzinho do Distrito Federal, lançado em 2007, com o objetivo de promover a educação permanente das crianças, alertando sobre os prejuízos provocados pelos trotes e também ensinando noções de primeiros socorros. Para além da prevenção de trotes, o Projeto Samuzinho Teresina vislumbra a possibilidade de aumentar as chances de sobrevivência de vítimas de agravos inusitados à saúde, como engasgo, parada cardiorrespiratória, acidentes domésticos, entre outros, possibilitando  o primeiro atendimento por crianças instruídas adequadamente ou através do repasse das instruções de primeiros socorros a um adulto que possa executá-las com segurança.

O Projeto Samuzinho Teresina foi idealizado em 2013, ano em que aconteceu a sua primeira edição, seguida de duas outras edições, em 2017 e 2018/2019, com crianças procedentes de escolas públicas e privadas do município de Teresina. As atividades são realizadas em espaços variados, de acordo com o cronograma previamente elaborado, contemplando aulas teóricas, práticas e demonstrações em eventos públicos, escolas e universidades. A seleção para o projeto segue um edital e contempla os seguintes critérios: idade entre 7 e 12 anos, comprovação de que a criança está regularmente matriculada em escola pública ou privada, cartão de vacina atualizado e consentimento dos pais ou responsáveis.

No ano de 2018, em uma ação inovadora, não houve seleção de crianças e o projeto acolheu os 60 candidatos inscritos, incluindo crianças especiais: uma criança surda e outra com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A deficiência auditiva pode afetar o desenvolvimento cognitivo, aprendizagem, linguagem e inclusão social da criança, além da privação sensorial, provocando consequências biopsicossociais. Com isso, as crianças surdas podem apresentar comprometimento cognitivo e isolamento social, que influenciam direta e negativamente em seu desenvolvimento. Uma das instrutoras, que é professora de idiomas, incluindo Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), foi a ponte para a comunicação entre aSamuzinha surda (que é fluente em LIBRAS) e os colegas e demais instrutoras, mediando o entendimento e a compreensão dos conteúdos trabalhados durante o curso, através da interpretação simultânea dos conteúdos, bem como pelo uso de recursos visuais. O Samuzinho com TEA apresentava muita dificuldade de comunicação verbal, mas conseguia interagir de outras formas com as instrutoras e os colegas. Para que ele pudesse apreender os conteúdos, estes eram apresentados repetidas vezes, até que pudesse imitar as instrutoras.

Para a realização do curso de Samuzinho, há uma divisão de tarefas que segue uma rotina de aulas e atividades extraclasse. O cronograma de aulas teórico-práticas abrange os seguintes temas: noções gerais de atendimento pré-hospitalar, funcionamento dos órgãos de emergência (SAMU 192, Bombeiros 193, Polícia Militar 190 e Polícia Rodoviária Federal 191), biossegurança, segurança da cena, desmaio, crise convulsiva, acidente vascular encefálico, diabetes, engasgo / desobstrução de vias aéreas em crianças e adultos, parada cardiorrespiratória e reanimação cardiopulmonar, prevenção e primeiros atendimentos em acidentes domésticos e de trânsito e agressão física. Os Samuzinhostambém têm a oportunidade de conhecer as viaturas que realizam os atendimentos reais e seus tripulantes.

Para avaliar o aprendizado das crianças, são realizadas atividades práticas, que podem ser desenhos direcionados aos temas das aulas ou a realização de simulações de cenas dos assuntos abordados. Além de ensinar primeiros socorros, o Samuzinho incentiva a prática da cidadania e a construção de relações sociais saudáveis, com ampliação do círculo de amizades e aquisição de habilidades de falar em público.

Segundo Patrícia Marques, instrutora do Projeto Samuzinho Teresina, algumas crianças depararam-se com situações de emergência em seu ambiente social, sendo solicitadas a executar procedimentos de suporte básico de vida. Duas situações merecem destaque, pela gravidade e urgência das circunstâncias, ambas envolvendo obstrução de vias aéreas. Em uma dessas ocasiões, um Samuzinho de apenas 7 anos realizou a manobra de desobstrução de vias aéreas denominada Heimlich em seu primo de 3 anos, com obstrução por bolo alimentar, tendo sido socorrido por vários adultos que não obtiveram êxito em resolver a situação que ameaçava a vida da criança. Em ocasião semelhante, uma outra criança do Projeto Samuzinho, de 12 anos, realizou a manobra de Heimlich Baby em um bebê de 4 meses de vida, engasgado com alimento, na presença de um adulto que não tinha habilidade para realizar a manobra de desengasgo. “Tais acontecimentos foram tão marcantes que ganharam repercussão no estado do Piauí, bem como em rede nacional, sendo matéria especial de programa Como Será, da Rede Globo de Televisão, um verdadeiro exemplo para pais e crianças de todo o país”, conta Patrícia. Esses fatos demonstram a capacidade de entendimento e absorção de instruções que as crianças têm, evidenciando a importância desse projeto para além dessas famílias dos pequenos participantes, mas também para toda a sociedade.

Para que a criança participe do Projeto, os pais ou responsáveis devem aguardar o lançamento de edital, que acontece uma vez por ano. A divulgação acontece no site da Prefeitura Municipal de Teresina, nos principais jornais do Estado, bem como nas redes sociais do SAMU Teresina. As crianças são grandes multiplicadoras de conhecimento e projetos como esse são deveras louváveis!

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