Arquivo Pessoal

Chico Mário Feitosa

Biólogo, doutor em Ecologia e Recursos Naturais, professor da UNIVASF São Raimundo Nonato e cantor nas horas vagas.

Barragens brasileiras e o mito da energia renovável

Ecologia

Quando se fala na construção de barragens nos grandes rios para geração de energia elétrica, logo nos vem à mente o grande “fusuê” que foi a instalação do canteiro de obras de Belo Monte, no Pará. Sem nenhuma dúvida e sem entrar no mérito da questão, esse empreendimento trouxe a proposta mais confusa e descabida para “desafogar” o setor energético brasileiro.

Como se não bastasse, outras tantas monstruosidades estão sendo propostas no Norte e Nordeste do país, há pelo menos uma década. As corredeiras do rio Teles Pires, por exemplo, um dos principais afluentes do grandioso rio Tapajós, já estão na mira dos governos que não estão se preocupando muito com tudo que o cerca: a caça e a pesca por povos nativos e principalmente a mudança que a construção de uma grande obra trará (para pior) na região, social e ecológica.

Esses dois casos que citei funcionam somente para situar você leitor, mas infelizmente eles são a ponta do iceberg. Eles demonstram a fragilidade que o povo brasileiro tem (através dos seus representantes) quanto à decisões importantes e que mexe com a vida de milhares (talvez milhões) de pessoas. Por isso, empreendimentos sem retorno, como a hidrelétrica de Balbina, no Estado do Amazonas, continuam a ser pensadas diunturnamente.

Então passemos para o Nordeste. O grande lance aqui é o rio Parnaíba, com seus 1.400km de extensão das nascentes ao seu maravilhoso delta. Não é um grande rio comparado com os amazônicos, mas é imponente e com uma vazão interessante para a geração de energia hidroelétrica. Talvez seja por isso que bem no início desse século o governo planejou fazer nele cinco usinas. Uma cascata de barramentos seria providenciada o quanto antes para somar com a barragem já existente e que ainda nem foi terminada. Detalhe: ela foi construída e entregue na década de 60.

Lembrando que a água tem um caráter renovável, duvido muito que tais empreendimentos sejam renováveis. Sim, pois se alteramos a dinâmica natural desse ecossistema – diga-se, a bacia de drenagem - que tem como principal substância a água, não sabemos até quando essa proposta até então de governo é viável, econômica e ambientalmente. Inviável pois as barragens têm vida útil: muitas não chegam à um século; por isso, depois de certo tempo elas viram verdadeiros elefantes brancos. Depois, a mudança na dinâmica do leito traz consequências drásticas à própria bacia de drenagem, alterando a sedimentação na direção montante/jusante que se reflete na biologia das comunidades aquáticas, que dependem de certo tipo de ambiente - água mais ou menos turva, sazonalidade e regime hídrico - para se estabelecerem e completarem seus ciclos vitais.

Talvez outras maneiras de geração da energia elétrica sejam mais interessantes: não é difícil perceber que as regiões Norte e Nordeste estão localizadas bem na linha do Equador, onde sabidamente incidem a maior quantidade de radiação solar. Então, se gastam rios de dinheiro para construir uma hidrelétrica: porquê não investir parte desse montante em equipamentos para captação da energia solar? Semana passada vi notícia do presidente inaugurando obra desse tipo na barragem de Sobradinho, Bahia. Entretanto, é preciso que aproveitemos os espaços urbanos ou demasiadamente antropizados (telhados e demais estruturas) para que outros impactos não sejam gerados por essa estratégia.

Outra maneira interessante e que timidamente vem ganhando espaço no litoral nordestino é aproveitando a energia dos ventos. Em inúmeros municípios potiguares, por exemplo, empresas estão se instalando para fabricar e comercializar aqueles “grandes cataventos”. Por isso, penso que muito em breve outras maneiras de gerar energia, como essa, ganharão espaço e serão amplamente utilizadas para o dia-a-dia do brasileiro. Logicamente tendo cercado todos os problemas que tais empreendimentos possam gerar. Não vim do futuro, por isso talvez outras tecnologias possam ser criadas minimizando ao máximo impactos à nossa casa.

A partir desse cenário, enxergo que a cultura das hidrelétricas no Brasil pode estar com os dias contados, ao passo que outros mecanismos ganhariam espaço no mercado, barateando produtos pela leal concorrência. Se lembrarmos o quanto já foi caro possuir uma placa fotovoltaica, poderemos vislumbrar um futuro bastante promissor e que, sem dúvida, nos demandará muitas indas e vindas através das nossas experiências. Sou mais um do time que torce e trabalha por mudanças de atitudes que nos façam ter dias melhores enquanto estivermos por aqui pelo planeta Terra.

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