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Chico Mário Feitosa

Biólogo, doutor em Ecologia e Recursos Naturais, professor da UNIVASF São Raimundo Nonato e cantor nas horas vagas.

De repente criminosos

Educação pública
Foto: Feitosa, F.S.Professor: de repente criminosos?
Professor: de repente criminosos?

Essa é uma das poucas vezes que começo a escrever algo com o título previamente estabelecido. Sim, sou professor universitário da rede federal e essa é a sensação que eu e meus colegas temos todas as vezes que lemos uma notícia sobre os rumos da política e, de maneira especial, sobre a pasta da educação. Mas o pior de tudo, sem dúvida, são os comentários fervorosamente maldosos de pessoas que têm na internet uma espécie de arma, para expor sem nenhum fundamento suas opiniões.

Nunca tive pretensões criminosas, por isso não sei como se configura uma mente criminosa. Não sei explicar as lógicas usadas por um meliante para burlar o sistema, para praticar um crime, para fazer a contravenção que dá o sentido à sua vida. Não falo de criminosos de ocasião, onde meio que sem querer acabam cometendo infrações e por isso devem passar pelo escrutínio social para que só depois voltem a conviver e ser aceito na sociedade (ou não). Refiro-me aos criminosos profissionais, que como diz Chico Buarque de Holanda é como o “malandro com aparato de malandro oficial, malandro candidato a malandro federal” (Ópera do Malandro, 1979).

Impossível não fazer esse paralelo, levando em conta os dias de hoje e a conjuntura política e social. Longe de mim querer fazer aqui um raio-x social para explicar o óbvio: que professor nunca foi e nunca será respeitado nesse país pobre de espírito chamado Brasil. Por isso nem vou me dar o trabalho de nos comparar com outros países pois voltaríamos à redundância nada poética de uma profissão tão sofrida e desvalorizada. Deixemos de clichês.

Fomos chamados de “Zebras Gordas” pelo senhor ministro pelo fato de recebermos um salário maior que os demais professores, os da rede básica de ensino. Abro um parênteses para lembrar que o mesmo publicou em sua fala valores errôneos que não condizem com a realidade (média salarial entre R$ 15 e R$ 20 mil). Das duas uma: ou ele nunca leu editais de concursos que outrora foram publicados ou sua intensão é outra (difícil ponderar, mas desconfio fortemente da segunda opção). Segundo ele, esse é o grande problema do país na pasta da Educação: muita gente para pagar altos salários, para simplesmente dar 8 horas de aulas semanais. Por isso, vai à caça das “Zebras Gordas”. Para bom entendedor, meia palavra basta. Tirem suas conclusões.

Outro erro grosseiro dele foi não lembrar (ou propositalmente omitir) que professores da rede federal de educação superior são obrigados também a realizar projetos de extensão universitária e pesquisa. Se você leitor, não sabe do que eu estou falando, dê um google para dar uma conferida (se tiver com preguiça, assista ao vídeo logo abaixo). Além disso, preparar aulas, corrigir provas e trabalhos, participar de comissões na gestão administrativa de suas instituições, por exemplo, são feitas de madrugada, pelo visto. “O que você fez da madrugada?” – retruca o ministro. Ao tempo que respondo: - ando meio sem sono, por isso escrevo isso aqui.

 

Por isso estamos sendo taxados de criminosos. Por isso muita gente diz de maneira bizarra que ministramos as 8 horas de aula e nos mandamos para os EUA. O pretexto da “caça as zebras” é que o dinheiro pode ser revertido na construção de creches, pois a educação infantil e básica estão muito ruins. Por isso pergunto aos leitores: em qual letra da lei está definido que o governo federal é provedor/mantenedor da educação infantil? Na 9.394 de 20 dezembro de 1996, que trata da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional?

O artigo 11 da referida lei, em seu inciso V esclarece de quem é a responsabilidade da oferta do ensino infantil através de creches e pré-escolas. Assim fica difícil acreditar num ministro sem fundamento legal em sua argumentação e que por isso deve ter outras intensões com essa “caça as zebras”. Muito se fala em ideologia, que “aquela” deve ser combatida, e por isso acreditem: a universidade pública é o local onde se encontram (e conversam civilizadamente!) as mais diversas ideologias. Quer mais uma? Elas se respeitam lá dentro.

Quando um professor tem que ir em canais como esse ou como o YouTube para explicar o que faz, é um sinal de que o país está doente – ou melhor, continua doente desde tempos pretéritos. Como diz colegas pernambucanos, com ‘Espíritos de Porco’. Ser professor não é dar respostas prontas e acabadas; é muito mais que isso, é respeito para com o saber, os pares, estudantes e toda estrutura por trás do magistério. Nosso ministro não está sendo nada didático ao colocar os mestres como os principais vilões, como criminosos que têm que ser abatidos como zebras. Em dias atuais, palavras como essas soam normais e viram realidade nas mãos de pessoas desequilibradas e que não medem esforços para ‘extirpar o mal social’. Penso que é um péssimo exemplo, mas não me admira vindo de um grupo como o que está no atual governo federal.

Será mesmo que o grande mal do país, a ponto de desequilibrar as contas públicas, são os professores que ganham cerca de R$ 7,5 mil iniciais? A grande piada aqui, caros leitores, são os salários do judiciário e seus penduricalhos, os salários dos funcionários da câmara e do senado federal e, por que não dizer, os salários e benefícios que cada deputado(a) e senador(a) tem. Isso sim precisa ser combatido, não como uma caça as zebras, mas como política pública séria que torne equânime e justo os vencimentos dos servidores federais. A grande piada é ouvir que garçons do legislativo federal recebem quase o dobro do salário de professores que iniciam sua carreira, geralmente aos trinta e poucos anos depois de fazer mestrado, doutorado e, em muitas vezes, pós doutorado (sim pois nem sempre tem vaga para todos e o cidadão doutor tem que mendigar bolsas pós doc).

E o pagamento da dívida pública, a quem interessa? Esse é outro ponto que precisa ser amplamente discutido. Só não é porque os interessados nela são bancos e demais instituições financeiras. Infelizmente os grupos que querem discutir esse problema não são ouvidos, talvez porque eles não estão sendo felizes na abordagem ou por que realmente estão sendo esmagados pelo grande capital. Da mesma forma, o perdão de impostos de grandes empresas certamente faz muita falta nos cofres públicos. Então, por que sacrificar a grande massa? O capital responde.

Finalmente, saúdo os colegas professores da rede básica. E também lamento muito pelas condições precárias nas quais são submetidos, tal qual estão conseguindo no ensino superior federal. No final das contas, são eles os maiores prejudicados, pois ganham muito mal e trabalham feito condenados. Eu já trabalhei na rede básica e sei como é; minha mãe se aposentou nessa pegada, então falo por conhecimento de causa. Por isso migrei para a rede federal depois de muito estudo – na Amazônia e depois Ceará – pois não me via fazendo isso a vida inteira: segurando a peteca praticamente sozinho para depois político antiético contar vantagem. O sistema está aí: político fazendo o que sempre fez e buscando bodes expiatórios para culpar. Esse é o mote.

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